Natureza de Cristo e Maria


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 As primeiras heresias dentro do cristianismo se referiam à definição da natureza de Cristo, principalmente no que diz respeito à sua relação com Deus-Pai. A primeira dessas definições heréticas foi o arianismo. Liderado pelo sacerdote e bispo alexandrino Ário (288-336), esse movimento negava a consubstancialidade do Cristo em relação a Deus, afirmando ser o Filho, em questão de divindade, inferior ao Pai. Sócrates, historiador do século V, expõe as doutrinas arianas através de uma carta do bispo de Alexandria aos fiéis. Nela, diz-se que (...) o Filho é uma criatura e uma obra. Que ele não é como o Pai no que respeita a substância nem é o verdadeiro e genuíno Verbo Divino, ou a verdadeira Sabedoria, mas certamente uma de suas obras e criaturas, visto que Ele próprio foi feito pelo Verbo de Deus e pela Sabedoria que está em Deus.
Através dessa exposição, fica claro que o arianismo não considerava as Três Pessoas da Trindade como iguais, pois via o Pai como não gerado e o Filho como uma criatura Sua. No primeiro concílio ecumênico do cristianismo, realizado em 325 na cidade de Nicéia especificamente em função do arianismo, Ário foi condenado, sendo expresso o ponto de vista que acabou por se tornar o ortodoxo a partir desse primeiro concílio. Nele se afirmou que Cristo é consubstancial (homousios – homo ousia, mesma essência) com o Pai, e não criatura Dele (JEDIN, 1961). Ário foi excomungado e expulso da comunidade religiosa. Mesmo tendo sido declarado herético, o movimento não desapareceu logo após sua condenação em Nicéia, tendo persistido, e em alguns momentos, até recrudescido durante todo o século IV. Em 381, um novo concílio convocado por Teodósio, em Constantinopla, não só confirmou as definições nicenas de consubstancialidade do Pai e do Filho como também afirmou a consubstancialidade do Espírito Santo.
Em Antioquia, após a condenação do arianismo, uma nova doutrina permeou o pensamento cristão. Segundo ela, Cristo teria duas naturezas distintas, a divina e a humana, sendo que a humana prevalecia. Sustentada por Nestório, patriarca de Constantinopla, dizia esse pensamento, chamado de nestorianismo, que Cristo era um homem, no qual o Verbo teria residido como num templo. Os nestorianos afirmavam que Cristo seria "um homem que se tornou Deus". Percebemos aqui novamente a questão de se tentar definir a natureza de Cristo. Tal definição implicava diretamente no dogma do Concílio de Nicéia de 325, que viria a ser confirmada no Concílio de Éfeso (431), que afirmou ser Maria a "Mãe de Deus", a Virgem Theotokos. Segundo o pensamento nestoriano, tendo Cristo nascido apenas com a natureza humana, Maria teria então sido então mãe da humanidade de Jesus, não de sua divindade. Assim sendo, deveria ser chamada então de "Mãe de Cristo”. Os nestorianos tiveram contra si os bispos da poderosa sede patriarcal de Alexandria, que pretendiam estender sua influência por todo o Oriente. Reunido um concílio na cidade de Éfeso, em 431, o nestorianismo também foi condenado como heresia. Nestório foi deposto em Constantinopla e Cirilo, bispo de Alexandria, saiu fortalecido dessa disputa.
Entretanto, Paul Lemerle e Hubert Jedin nos chamam a atenção para o fato de a doutrina professada pelos alexandrinos também não ser totalmente ortodoxa. Ao exaltarem a natureza divina do Cristo, acabaram diminuindo a importância de sua natureza humana. O resultado foi uma nova heresia que, surgida do combate ao nestorianismo, que só reconhecia em Cristo a natureza humana, acabou se enveredando pelo caminho oposto, reconhecendo nele a divindade, mas restringindo sua condição de homem, que é condição para a salvação. Essa heresia ficou conhecida como monofisismo. Eutiques, abade de um mosteiro em Constantinopla, justificava o monofisismo, definindo que  depois da união das duas naturezas divina e humana em Cristo, esta foi absorvida por aquela, de maneira que nessa altura só se pode falar de uma natureza, ou seja, a divina.
      O concílio de Calcedônia, convocado em 451, tratou de condenar o monofisismo, o que ratificaria a unicidade das duas naturezas de Cristo num só ser. Outro concílio, ocorrido em 681 em Constantinopla, condenaria as idéias monotelistas, que defendiam que as duas naturezas do Filho seriam unificadas por uma vontade única, de forma que a vontade divina e humana em Cristo seria uma só.




 fontes:fascículo de história e filosofia medieval (UFMT, UAB).